Estamos nos anos 70, onde o acesso a videogames e demais aparatos tecnológicos era bastante limitado. No Brasil, bota bastante nisso: apesar da década marcar uma onda de ascensão digital, dificilmente víamos lares com computadores pessoais ou arcades a cada esquina.
Isso, no entanto, não impedia o gamer de existir. Não enquanto tabuleiros inteiros e histórias complexas o levavam para outros universos sem precisar de uma tela sequer.
Do inglês role-playing game, RPGs fizeram parte da vida de muitos entusiastas da época. Aliás, não só da época, não — como diz o título do artigo, sua influência permanece intacta mesmo nos dias de hoje, onde o acesso a tecnologias diversas é muito mais disseminado.
Com o passar dos anos, a ideia de criar personagens novos, assumir suas identidades e embarcar em aventuras fantásticas não foi abandonada, mas sim atualizada. Do tabuleiro físico para o ambiente digitalizado, continuamos seguindo mecânicas ainda muito pertinentes.
Mas qual é a sua real influência no mercado de jogos? E o que podemos aprender com a história do RPG e sua popularidade (mais uma vez) crescente?
Como o RPG de mesa ficou popular nos últimos anos
De um tempo para cá, os RPGs de mesa ressurgiram como uma nova onda, não mais se limitando aos estereótipos Hollywoodianos do nerd viciado em jogar no porão de casa.
Os RPGs de mesa estão em todos os lugares: de salas de estar a transmissões ao vivo, atraindo uma nova onda de fãs, a espaços exclusivos dentro de eventos, festas e bares temáticos.
O que será que aconteceu para as pessoas ficarem tão interessadas nesse tipo de jogo a essa altura do campeonato?
Pois trago três grandes motivos: Criatividade, narrativa e comunidade engajada. As pessoas, sejam elas gamers ou não, buscam criar conexões significativas entre si através de assuntos mais leves e divertidos, como aqueles relacionados à imaginação. Após o isolamento dos últimos anos, a chance de sentar (mesmo que virtualmente) com um grupo de amigos, criar personagens e moldar narrativas épicas juntos parece ainda mais revigorante do que a experiência dos videogames.
RPG de mesa é sobre fazer parte de uma história, tomar decisões que afetam diretamente o mundo do jogo e assistir a tudo se desenrolar com base no simples rolar de um dado. Soa ou não soa como algo poderoso?
Mesas em tempo real e em séries por streaming
Mas não é só a nostalgia que impulsiona o retorno: Plataformas de transmissão ao vivo, como a Twitch, e programas como Critical Role transformaram RPGs de mesa em entretenimento popular.
De repente, assistir a um grupo de pessoas sentadas ao redor de uma mesa, rolando dados e brincando de faz de conta tornou-se algo extremamente divertido, como assistir a um filme de fantasia qualquer.
Além disso, programas como esses deram aos recém-chegados na comunidade uma espiadinha em como os RPGs podem ser acessíveis. A narrativa, por sua vez, tem sua qualidade: Muitos grupos que transmitem suas sessões ao vivo parecem confundir a linha entre jogo e teatro, proporcionando performances até mesmo dignas de Oscar.
O crescimento das comunidades e eventos de RPG
Comunidades e eventos têm desempenhado um papel importante na ascensão dos RPGs de mesa ultimamente. Dentro e fora do âmbito digital, esse tipo de “congresso” que reúne fãs de todos os cantos ajuda a transformar um hobby em um fenômeno cultural.
Plataformas como Reddit e Discord estão cheias de comunidades organizando jogos, compartilhando conteúdo e ajudando novos jogadores a começar, disseminando a palavra do RPG de mesa para as novas gerações de fãs.
Se no passado encontrar um grupo pela vizinhança próxima era um desafio, hoje é possível participar de um jogo com grupos do mundo todo em um único clique.
O mesmo acontece com eventos, que não se limitam mais à noite semanal de Dungeons & Dragons em lojas e bares temáticos, apesar destes estarem prosperando também. Estamos vendo grandes convenções como Gamescom, PAX Unplugged e Dragon Con, onde os RPGs de mesa ocupam espaços exclusivos com milhares de participantes.
Em suma, eles se tornaram grandes centros de networking para jogadores e designers de jogos.
H3. Presença no universo pop
Não importa se você gosta de ficção científica, terror ou algo mais nichado: Provavelmente há um RPG para isso.
Cair na boca da cultura pop significa expandir seus universos para além dos dragões e das masmorras. Novos sistemas e histórias têm surgido com regras mais simplificadas, facilitando o ingresso de iniciantes que buscam diversidade.
Isso não significa, é claro, que o clássico deixou de ser relevante. O filme de 2023 baseado nessas histórias que o diga:
Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes | Trailer Oficial | LEG | Paramount Pictures Brasil
Vale lembrar que o lado comercial dos RPGs também está crescendo: As empresas de jogos têm visto uma oportunidade relevante não apenas nas sessões em si, mas nos acessórios que as acompanham — desde conjuntos de dados personalizados até tabuleiros completos.
Aliás, plataformas de crowdfunding (como o Catarse) estão repletas de novos projetos de RPG que geralmente atingem suas metas de financiamento em tempo recorde. Fica claro que existe uma demanda por esse tipo de jogo, e empresas ligadas nos trending topics já estão lucrando com esse novo renascer.
A evolução do mercado de games sob a influência do rpg de mesa
O mercado de jogos evoluiu de um jeito bem interessante ao longo dos anos, e um de seus principais influenciadores foram (e são) os RPGs de mesa. Alguns pontos centrais onde essa influência é vista até os dias de hoje são:
- Game design
- Storytelling
- Comunidades
- Modelos de negócio
Se você observar a estrutura dos videogames modernos, especialmente do próprio gênero RPG, notará que muitos deles refletem mecânicas vistas em jogos de mesa.
Títulos como Mass Effect, The Witcher e Divinity: Original Sin não existiriam sem Dungeons & Dragons pavimentando o caminho. Na verdade, toda a ideia de criar um personagem, desenvolvê-lo ao longo da jornada e moldar uma narrativa com base nas escolhas do jogador é retirada diretamente das páginas do RPG de mesa.
Mas vamos por parte:
Jogos inspirados em livros e campanhas de RPG
Além das mecânicas, a narrativa (ou storytelling) em videogames evoluiu graças aos RPGs e suas campanhas literárias. O lore profundo e sedutor que vemos em jogos digitais como Baldur’s Gate não surgiu da noite para o dia.
Se tem uma coisa que os RPGs de mesa nos mostraram é que nós, jogadores, adoramos fazer parte de uma história em evolução, onde nossas decisões importam e impactam nosso futuro dentro do jogo.
Reconhecendo sua importância, os desenvolvedores de jogos pegaram esse conceito (muitas vezes extraído de livros pré-existentes) e criaram mundos mais ricos com interações in-game ainda mais imersivas.
Alguns jogos que refletem esse impacto são:
- Baldur’s Gate
- The Witcher
- Fallout
- Assassin’s Creed
- Bloodborne
- Elden Ring
Expansões de jogos baseadas em RPGs clássicos
RPGs de mesa também influenciaram a forma como os jogos são monetizados. A ascensão de pacotes de expansão e conteúdo para download (DLCs) em videogames tem muito em comum com a forma como os RPGs operam.
Pense no seguinte: Jogos de mesa têm criado “expansões” por décadas a partir de novos livros de regras, módulos e campanhas.
Os videogames, então, adotaram esse modelo, percebendo que os jogadores estão dispostos a pagar por conteúdo adicional para estender sua experiência — sejam novos arcos de história, personagens ou habilidades.
Alguns exemplos de expansões épicas baseadas em RPGs são:
- The Witcher 3: Hearts of Stone e Blood and Wine
- Skyrim: Dragonborn e Dawnguard
- Baldur’s Gate II: Shadows of Amn
- Mass Effect 3: Citadel
Elementos de RPG como pilar para games com outros focos
Por fim, os RPGs, com sua rica tradição em construção de mundos, desenvolvimento de personagens e narrativa imersiva, servem como um pilar para diversos outros gêneros de jogos.
Para que se limitar a RPG e MMORPG se muitas mecânicas estabelecidas no D&D também servem para títulos de ação, aventura, quebra-cabeças e até jogos casuais?
Neste caso, os elementos mais comuns em se fazerem presentes em universos mais diversificados são:
- Construção de Mundo
- História, geografia, cultura e mitologia;
- Desenvolvimento de Personagem
- Aparência, características, arquétipos;
- Sistema de Progressão
- Subida de nível e desbloqueio de novas habilidades;
- Decisões com Consequências
- Escolhas que personalizam o decorrer da história.
Exemplos de jogos populares inspirados em rpgs de mesa
Agora você já sabe que RPGs de mesa deixaram mesmo uma marca nos jogos modernos, mas você também pode ver sua influência em alguns dos maiores e mais populares videogames dos últimos tempos.
Aqui estão alguns exemplos, inclusive vencedores de grandes premiações internacionais, que transpiram inspiração do lobby à tela final:
Baldur’s Gate 3 Official Launch Trailer
Baldur’s Gate
Não tinha como começar com outro nome. A série Baldur’s Gate é literalmente baseada em Dungeons & Dragons, o mais clássico formato de RPG de mesa. Ela não só usa o conjunto de regras de D&D como o adapta da melhor forma para o mundo dos videogames.
Os jogos originais foram bastante populares no final dos anos 90 e início dos anos 2000, mas coube a Baldur’s Gate 3 trazer a verdadeira sensação clássica para a era moderna.
Nele, você gerencia um grupo somente seu, toma decisões difíceis e navega pelas complexidades de um mundo totalmente fantástico, assim como faria em um RPG de mesa tradicional.
O boom de Baldur’s Gate 3 é relativamente recente, principalmente após a enxurrada de prêmios concedidos pelas principais premiações da indústria gamer. Amado pela grande maioria de entusiastas de RPG, ele oferece aos jogadores maneiras quase infinitas de abordar a história, interagir com personagens e, claro, rolar alguns dados.
Cyberpunk 2077 — Official E3 2018 Trailer
Cyberpunk 2077
Cyberpunk 2077 não é um jogo que surgiu do nada — na verdade, ele foi baseado em um RPG de mesa chamado Cyberpunk 2020, projetado por Mike Pondsmith nos anos 80.
O jogo de mesa original era sobre a vida humana em um futuro distópico e obcecado por tecnologia, onde megacorporações comandam o mundo e melhorias cibernéticas são a norma. Parece familiar? Por um lado, estamos em 2024 e não chegamos a este nível no mundo real.
Por outro, a CD Projekt Red se baseou bastante no livro de regras do Cyberpunk 2020 ao criar a versão digital.
[E3 2018] Call of Cthulhu – E3 Trailer
Call of Cthulhu
Para fãs de histórias de terror cósmico, Call of Cthulhu é outro exemplo prático de como um videogame pode capturar a essência de um RPG de mesa. O RPG Call of Cthulhu original, publicado pela Chaosium em 1981, é baseado nos escritos de H.P. Lovecraft.
A adaptação para videogame explora essa mesma atmosfera assustadora, mas não é uma fantasia de poder como a maioria dos videogames modernos. Em vez disso, o game permanece fiel à experiência de mesa, onde você joga como um investigador vulnerável desvendando segredos aterrorizantes.
Vampire The Masquerade: Bloodlines 2 – Official Next-Gen Trailer | Inside Xbox
Vampire The Masquerade
Vampire The Masquerade tem uma história épica no mundo dos RPGs de mesa, e as adaptações de videogame não deixam a desejar quando se trata de tradição.
Lançado pela primeira vez em 1991 como parte da série World of Darkness pela White Wolf Publishing, Vampire The Masquerade rapidamente se tornou um dos títulos mais populares do gênero, destacando-se devido ao foco em intriga e dinâmicas sociais complexas dentro da sociedade vampírica.
Outras versões de videogame, incluindo o clássico cult Vampire The Masquerade: Bloodlines, trazem a mesma atmosfera gótica e narrativa sedutora para o meio digital.
Como o RPG de mesa impulsiona o consumo de produtos além dos games
Os dados estão a favor da seguinte conclusão: RPGs de mesa vêm causando impacto há décadas, e sua influência vai muito além de um tabuleiro interativo com livros de regras.
Estamos falando sobre jogos que alimentam o consumo de maneiras diversas, alcançando vários setores e criando demandas por todos os tipos de produtos. Todos mesmo.
Eis os principais:
- Merchandise e colecionáveis
- Streaming e criação de conteúdo
- Tecnologia e aplicativos temáticos
- Eventos e convenções de cultura pop
- Livros, HQs e coleções completas
O que aprendemos só com os produtos citados acima é que RPGs de mesa influenciam todo um universo de consumo em expansão constante. Seja você um fã, um empresário ou alguém que navega entre os dois, o artigo deixa bem claro que os RPGs estão moldando a forma como consumimos conteúdo.
Por fim, os RPGs de mesa provam, provaram e continuarão provando que são muito mais do que um hobby de nicho: eles são um ecossistema completo por si só.
Curtiu a leitura? Nos vemos no próximo artigo!